por Alan Tygel, do boletim do MST RJ | 26/10 a 8/11

 

O comitê RJ da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida aproveitou o dia mundial da alimentação (16/10) para realizar o seu terceiro encontro de formação. Desta vez, o assunto foram as doenças causadas pelos agrotóxicos. Na parte da manhã foram abordados aspectos laterais às doenças, como classificação toxicológica, medidas e sistemas de notificação. Após o almoço, discutiu-se as doenças em si, com a apresentação do estudo da pesquisadora Silvana Rubatto (ENSP/Fiocruz) sobre o assunto.

 

Dada a gravidade do assunto, o grupo optou por começar o dia com uma mística animadora. Após cantar a música Xote Ecológico, de Aguinaldo Batista e Luiz Gonzaga, o grupo cantou o recém composto Xote Agroecológico, de Igor Conde. A primeira música, composta em 1989, um ano após o assassinato de Chico Mendes, traz uma visão bem pessimista sobre os efeitos da ação do homem sobre a natureza. Já a nova versão traz um alento a todos nós que acreditamos num futuro agroecológico:

 

Xote Ecológico (1989)
Aguinaldo Batista e Luiz Gonzaga

Não posso respirar, não posso mais nadar
A terra está morrendo, não dá mais pra plantar
Se plantar não nasce se nasce não dá
Até pinga da boa é difícil de encontrar

Cadê a flor que estava aqui? (Poluição comeu)
E o peixe que é do mar? (Poluição comeu)
E o verde onde que está? (Poluição comeu)
Nem o Chico Mendes sobreviveu

Xote Agroecológico (2011)
Igor Conde

Já posso respirar e voltar a plantar
A terra renascendo, brotando sem parar
É Agroecologia e agricultura familiar
Com organização e resistência popular

Cadê o arroz e o feijão? (Plantou e colheu)
E o milho de São joão? (Plantou e colheu)
E a agrofloresta como tá? (Plantou e colheu)
Transgênico e veneno desapareceu

Em seguida, Ivi Tavares apresentou um panorama geral sobre as classificações dos agrotóxicos e os tipos de doença que cada um pode causar. Os venenos podem ser classificados quanto ao seu grupo químico – organoclorados, organofosforados, carbamatos, etc, – quanto à sua toxicidade – extremamente tóxicos (Faixa vermelha), altamente tóxicos (Faixa Amarela), mediamente tóxicos (Faixa Azul) e pouco ou muito pouco tóxicos (Faixa Verde) ou ainda quanto ao seu efeito: fungicidas, herbicidas, inseticidas, etc. Essa última classificação levou o grupo a debater sobre a possibilidade de se chamar os agrotóxicos de biocidas, reforçando que eles agem não só contra a vida de insetos, fungos, plantas, mas também contra a do ser humano.

Em seguida, Gabriel Fernandes apresentou dois conceitos muito controversos: limite máximo de resíduos (LMR) e ingestão diária aceitável (IDA). Ambos são definidos de forma extremamente arbitrária, e muitas vezes baseados em pesquisas das próprias empresas. Mas o absurdo não para por aí: estes estudos, além de tudo, não são publicados em revistas especializadas. Ou seja, não passam pelo crivo da comunidade científica. Esta situação foi ilustrada com um trecho do filme “O veneno nosso de cada dia”, que retrata muito bem as portas giratórias entre governos, empresas e agências reguladoras.

Gabriel chamou ainda a atenção para a falsa imagem de segurança que estes limites criam. Ele exemplificou: “Quando temos uma intoxicação aguda, na qual o agricultor é exposto a altas doses de venenos e apresenta sintomas poucas horas depois, pode-se argumentar que foi uma acidente, uma situação não prevista, mesmo que este argumento seja bastante frágil. Mas no caso das intoxicações crônicas, que aparecem após anos de exposição a baixas doses de agrotóxicos, não há justificativa. Foi tudo dentro do permitido, dentro do limite seguro, e mesmo assim surgem as doenças graves como câncer, má-formação e depressão, que em muitos casos leva ao suicídio.”

Gabriel apresentou ainda o PARA – Programa de Monitoramento e Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos. Realizado pela ANVISA, o programa analisa diversas variedades de frutas, legumes e verduras nos supermercados e faz duas avaliações: se há mais resíduos de agrotóxicos do que o permitido (LMR), e se há a presença de agrotóxicos não permitidos para aquela cultura.

Além do PARA oficial, existem alguns programas similares nos níveis estadual e municipal. Um dos mais interessante é o aplicado no Ceasa de Pernambuco. Financiado através de uma taxa cobrada de cada caminhão que entra, o programa, além de fazer as medições, rastreia a origem dos produtos irregulares. Em caso de problemas, a mercadoria do produtor irregular é proibida de entrar no mercado. Agentes de fiscalização são enviados para a propriedade, que é obrigada a sanar os problemas antes de voltar a comercializar a produção.

Após o almoço, foi encenada uma mística. Nela, buscou-se retratar uma situação que infelizmente ainda é cotidiana entre os agricultores familiares. Um trabalhador, preocupado com sua lavoura, aplica altas doses de veneno. Seu companheiro tenta alertar, avisando que aquele produto é nocivo à saúde, mas o aviso é recebido com escárnio: “Isso não faz mal não, eu sou forte, posso aguentar.” Após seguidas aplicações, o agricultor desmaia. A partir de então, ele decide parar de usar agrotóxicos.

A formação seguiu-se com a apresentação dos sistemas de informações sobre intoxicações. Alan Tygel ressaltou a importância de se ter dados confiáveis sobre as intoxicações: “Em primeiro lugar, os dados são importantes comprovarmos os estragos que estão sendo causados pelos agrotóxicos. Além disso, eles servem para planejar as ações de saúde pública. Mas o mais importante é a capacidade que os dados têm de consolidar uma imagem de que os agrotóxicos fazem mal e devem ser banidos da sociedade. Assim como ocorreu no caso do fumo e do amianto, qualquer pessoa deve saber os riscos que estamos correndo como maiores utilizadores de agrotóxicos no mundo.”

Apesar de todos os problemas, que vêm desde a dificuldade no diagnóstico até as falhas na hora da notificação, o Sinitox ainda é a melhor base de dados que temos disponível. Os dados chegam até esse sistema através dos CIATs – Centros de Informação e Assistência Toxicológica, que recebem as ligações do disque-intoxicação. Umas das dificuldades é que as intoxicações não são obrigatoriamente notificadas aos CIATs, e a notificação do CIATs para o Sinitox também é voluntária. Além disso, alguns CIATs passaram a notificar as ocorrências para o Notivisa, sistema coordenado pela ANVISA.

Em seguida, a pesquisadora Silvana Rubatto apresentou sua pesquisa acerca das ocorrências de câncer relacionadas à profissão dos pacientes, na região serrana do Rio de Janeiro. A região é a maior produtora de hortaliças do estado, com alto índice de consumo de agrotóxicos.

A primeira parte da exposição da pesquisadora abordou questões gerais relacionadas aos agrotóxicos e as doenças que causam. Em seguida, Silvana abordou as causas de morte mais frequentes no Brasil e entrou mais especificamente nos dados sobre o câncer. Segundo ela, em 2002 foram registrados 10 milhões de casos no mundo, e para 2020 são projetados 15 milhões. O número de mortes, no entanto, deve subir mais: dos 6 milhões verificados em 2002, projeta-se 12 milhões para 2020, sendo a alimentação o maior fator de risco, seguido pelo tabaco.

O estudo na região serrana foi motivado pelo alto índice de câncer verificado naquela região, onde o consumo de agrotóxicos é 1822% maior que a média do estado do RJ. O estudo concluiu que alto índice de ocorrência de câncer é motivado por fatores ambientais. No entanto, a falta de dados mais precisos nos prontuários, como a profissão do paciente, impediu a pesquisa de relacionar os casos diretamente ao manuseio de agrotóxicos. Entretanto, verificar um alto índice de câncer na região que mais utiliza agrotóxicos no RJ já nos dá uma pista dos males que este produtos causam a quem os aplica.

A formação terminou com uma conversa sobre os rumos da campanha, e as próximas ações a serem desenvolvidas. Entre elas, estão a participação em feiras na cidade, e as ações diretamente com agricultores.

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